segunda-feira, 6 de março de 2023

Espron - Esporte Protótipo Nacional - primeira parte - a história


No esporte a motor nacional, um segmento digno de admiração e respeito é o de desenvolvimento e construção de protótipos de competição. No país, as iniciativas de abnegados construtores são de longa data e ganharam força principalmente no início da década de 70, quando tivemos aqui no Brasil uma categoria totalmente voltada para os protótipos - a Divisão 4.


Nos anos 80 as iniciativas de construção de protótipos diminuíram, na medida em que as categorias de turismo, como o campeonato brasileiro de marcas e pilotos e a Stock Car se fortaleceram. Mas a década de 90 traria um cenário de renovação na construção de protótipos, com ótimas iniciativas de norte a sul do país.


No estado do Ceará, um construtor se destacou em diversos projetos de protótipos de competição. Estamos falando de Pedro Virgilio, engenheiro que foi o responsável pelo protótipo Espron, que fez muito sucesso no automobilismo nacional no final da década de 90 e início dos anos 2000. Foram realizados torneios monomarca de Espron em Brasília e São Paulo e o carro foi muito bem sucedido em provas isoladas de longa duração.




O Espron-BMW, nascido no Nordeste e desenvolvido em Brasília



Mas até a construção do Espron, o engenheiro Pedro Virgilio pavimentou um sólido caminho com a elaboração de uma linhagem de protótipos, que evoluíram em desempenho e resultados. A história começa no início dos anos 90, com o protótipo Proton 1600, que utilizava motorização Volkswagen refrigerada a ar. A construção do carro seguia a receita padrão: carroceria aberta, chassis tubular e carenagem em fibra de vidro.



Campeonato Cearense de Protótipos em 1995, no autódromo de Fortaleza - um dos poucos certames de protótipos nessa época no Brasil



Virgilio não parou por aí e desenvolveu em seguida o Proton 2000, que era equipado com propulsor Volkswagen 2.0 AP. Mais potente e constante, o protótipo venceu uma edição dos Mil Quilômetros de Brasília. Uma credencial e tanto para o construtor cearense, que a partir do Proton 2000 passou a desenvolver o Espron. Foi neste momento que os trabalhos de Pedro Virgilio chamaram a atenção do tricampeão de F1 Nelson Piquet, especialmente depois de presenciar a vitória de um dos carros cearenses em uma edição dos 500 Km de Fortaleza.




Proton 1.600 em uma de suas primeiras versões










A evolução do Proton 1.600




Proton 2000





Piquet então tomou a atitude de apadrinhar o projeto do Espron, apoiando de forma maciça a criação de campeonatos monomarca do carro, inclusive participando de corridas. A cereja do bolo foi a adoção da motorização BMW, ação angariada pelo tricampeão, muito pela excelente relação dele com a fábrica alemã.


O protótipo então passou a ser produzido em escala por uma empresa de Brasília chamada Veloztech. Foram organizados campeonatos de Espron em Brasília e em São Paulo, com excelente adesão de competidores, equipes e patrocinadores.




A primeira provada história do Espron-BMW, realizada em Brasília, no ano de 1997, com pole position e vitória de José Alexandre




A primeira turma da Espron em Brasília, com destaque para o Nelson Piquet no meio da galera





As preliminares da Fórmula 1 e da Fórmula Cart


A Espron foi uma das poucas categorias aqui no Brasil que integraram os programas oficiais tanto da Fórmula 1 quanto da Fórmula Indy (Cart à época).


A corrida preliminar da Fórmula 1 na qual a Espron tomou parte aconteceu na temporada de 1998, em Interlagos, na época que o Grande Prêmio era realizado no mês de março. Ao todo, 29 carros integraram a competição, que contou com a ilustre participação de Nelson Piquet.


Por conta da apertada programação de um grande prêmio, não houve tempo hábil para realizar o treino classificatório e as posições do grid foram definidas por sorteio. Piquet, inclusive, largou no final do pelotão.


Os pilotos da Espron fizeram um ótimo espetáculo para o numeroso público presente nas arquibancadas de Interlagos. Na largada, já houve uma pequena confusão. O pole position, nada menos que o criador do Espron, Pedro Virgilio, não largou bem e perdeu a liderança ainda antes do esse do Senna.


Sérgio Slaviero assumiu a ponta mas foi otimista demais na freada do esse e escorregou, dando uma bela escapada da pista. Outros pilotos também erraram já na primeira curva. Um começo bem animado, com direito a ovação das arquibancadas.



Nelson Piquet foi um dos destaques da etapa preliminar da Fórmula 1





José Alexandre, o vencedor em Interlagos




A prova se desenrolou com destaque para Nelson Piquet e José Alexandre, que escalavam o pelotão, até chegarem à liderança da corrida. A briga principal foi entre os dois, porém, infelizmente Piquet rodou e ficou alijado da disputa.


E a vitória ficou mesmo com José Alexandre, que completou 9 voltas em 17min42s814 e 130.841 Km/h de velocidade média. A melhor volta foi conquistada por Nelson Piquet, na volta cinco, com a marca de 1min53s940, com média de velocidade em 135.608 Km/h. Destaque para a participação internacional da piloto alemã Sabine Reck Schmitz, que se destacou nos campeonatos de turismo na Europa, tendo vencido as 24 Horas de Nurburgring em 1996 e 1997.




A agitação no esse do Senna, após a largada




Resultado final:


1º - #23 José Alexandre – 9 voltas em 17min42s814 e 130.841 Km/h de velocidade média
2º - #21 S. Ferrari
3º - #02 Ruyter Pacheco
4º - #01 Nelson Piquet
5º - #15 L. Reis
6º - #13 A. Albuquerque
7º - #17 Sabine Reck
8º - #10 S. Koffes
9º - #05 Sérgio Slaviero
10º - #07 D. Freire
11º - #29 C. de Oliveira
12º - #25 Z. Giaffone
13º - #08 F. Ramos
14º - #63 S. Carvalho
15º - #00 R. Silva
16º - #34 R. Dourado
17º - #33 R. de Oliveira
18º - #48 A. Neto
19º - #11 E. Cordeiro
20º - #18 Pedro Virgilio
21º - #06 C. Nakata
22º - #43 W. Filho
23º - #77 J. Sarquis
24º - #22 L. Peduti
25º - #99 R. Etchenique
26º - #28 A. Serra
27º - #27 S. Vidotto
28º - #03 F. Andrade
29º - #09 D. Moreira


No ano seguinte, foi a vez da Espron participar da programação da etapa brasileira da Fórmula Cart (Indy), em Jacarapaguá. Aqui, um fato interessante: a Espron carrega consigo o fato de ter sido uma das poucas categorias nacionais a realizar uma corrida no oval do Rio de Janeiro, que infelizmente não foi aproveitado da melhor forma pelo automobilismo nacional.


A disputa no oval carioca foi sensacional e na última volta a briga pela vitória foi até a linha de chegada, entre David Moreira e Aldo Piedade Jr., que liderava a prova até então. David Moreira chegou e emparelhou com Aldo na reta principal, cruzando a bandeirada apenas com o bico do carro à frente.


A Copa Espron em São Paulo


Com provas realizadas em Interlagos, a Copa Espron foi um certame que fez relativo sucesso entre pilotos e equipes no início dos anos 2000. Os custos envolvidos na participação e a simplicidade contida na manutenção do equipamento eram ótimos atrativos para quem queria participar do campeonato monomarca.


Posso dizer que a Copa Espron foi o embrião para, mais tarde, a realização de outra categoria monomarca de protótipos: a Aldee Spyder Race, mas isso é assunto para outra matéria futura aqui no blog.



A Espron paulista foi muito forte enquanto existiu





As participações em provas de longa duração


O Espron cumpriu um ótimo papel nas provas de longa duração nacionais. Destaque para as participações nos 500 Quilômetros de Interlagos de 2000, com a dupla Flávio Andrade e Ruyter Pacheco, que naquela edição cravaram a pole position com o tempo de 1min41s711 e 152,515 Km/h de média de velocidade. Na corrida, o time de Brasília, que tinha o patrocínio dos cigarros Hollywood, sempre esteve a ponta e a vitória veio depois da chegada de uma forte chuva, que trouxe um céu carregado com falta de luz natural em Interlagos. Por conta das condições da pista, com muita água no traçado, a corrida foi finalizada antecipadamente pela direção de prova.


A dupla de Brasília voltou a disputar os 500 Quilômetros de 2001, com o mesmo protótipo Espron, e venceram novamente a importante prova de longa duração de São Paulo.







O Espron-BMW em destaque nos 500 Km de Interlagos







Espron da trinca Airton Telles, Alexandre Conill e Eduardo Garcia nas Mil Milhas Brasileiras de 2001






O raio-x técnico e de desempenho do Espron-BMW


Em nossa pesquisa, encontramos dois testes/avaliações realizados por revistas automotivas: a Quatro Rodas e a Racing, especializada em automobilismo.


Na matéria da revista Quatro Rodas, o Espron dividiu as atenções com uma belíssima BMW 850 CSi e também com o tri-campeão de Fórmula 1 Nelson Piquet, com destaque para a longa relação do piloto com a marca alemã. O destaque do Espron é para o motor 1.9 litros oriundo do esportivo BMW Z3. Piquet dá detalhes à reportagem sobre o protótipo: “nem parece um carro de corrida. É só ligar que ele cai na marcha lenta sem precisar acelerar, como num automóvel de passeio.” Piquet também revela que o Espron atinge velocidade máxima de 209 Km/h no final do retão do autódromo de Brasília, a casa do protótipo. Para aproveitar melhor as faixas de potência do motor 1.9 litros, Piquet recomenda a troca de marchas, do câmbio de quatro velocidades, entre 5 mil e 6.200 mil rotações por minuto. O protótipo idealizado no Ceará utiliza diversas peças do Volkswagen Fusca, como o conjunto da suspensão dianteira e a estrutura e os eixos do câmbio. Já as engrenagens e os sincronizadores foram idealizados pelo próprio Nelson Piquet.





O Espron-BMW em ação no teste da revista Quatro Rodas




A ficha técnica do Espron-BMW divulgada pela revista Quatro Rodas é a seguinte:


Motor: longitudinal, gasolina, quatro cilindros, quatro válvulas por cilindro, injeção eletrônica multiponto
Cilindrada: 1.895 cm³
Taxa de compressão: 10.0:1
Potência: 140 cavalos a 6.000 rpm´s
Torque: 18,3 Kgfm
Carroceria: chassi tubular, biposto
Tanque: 35 litros
Peso: 490 Kg
Preço (de época): R$ 24.000,00


“Como anda!” esse foi o título da matéria de avaliação da revista Racing do protótipo Espron. O carro foi emprestado pelo empresário e piloto Ruyter Pacheco, que definiu para a reportagem da revista, com poucas palavras, a fórmula de sucesso do Espron: “é uma mágica que o Piquet fez para aliar boa performance, baixo custo e contas equilibradas”. O teste revelou detalhes interessantes, como o fato da constatada simplicidade no manejo do protótipo, o que se traduzia na facilidade na pilotagem, mesmo para alguém sem preparo prévio. Um “brinquedo” que atinge facilmente os 200 Km/h de velocidade.



O protótipo "desnudo" em ensaio para a revista Racing






O Espron-BMW com a linda pintura dos cigarros Hollywood











A ficha técnica do Espron-BMW divulgada pela revista Racing é a seguinte:


Chassi: tubular
Carenagem: fibra de vidro
Suspensão: barras de torção na dianteira e molas helicoidais na traseira
Amortecedores: Cofap
Rodas: 13 polegadas
Pneus: Pirelli Slick
Freios: disco nas 4 rodas
Motor: BMW 4 cilindros, gerenciamento eletrônico Bosh, injeção multiponto, 1900 cm³
Câmbio: Volkswagen, 4 marchas



A continuidade do Espron nas pistas


A simplicidade e efetividade do Espron fez com que o protótipo fosse amplamente utilizado por todos os últimos anos no automobilismo nacional, ainda que com a utilização de motorizações diferentes da original BMW.



Espron em ação na Gold Classic



Foi e é possível ver modelos do Espron em ação nos campeonatos regionais, nas categorias Força Livre, Open Paulista (aqui em São Paulo) e também na Gold Classic.





Aldo Piedade se rendeu aos encantos do Espron-BMW





Espron em Campo Grande






Registro da Copa Espron no ano 2000, em Brasília




A Espron em Brasília, no ano de 2001





O "trem de força" BMW 4 cilindros de 1.900 cm³





Espron em uma etapa em Brasília, no ano 2000







Registros das primeiras corridas da Espron-BMW




Nelson Piquet foi o grande incentivador da categoria








Flávio de Andrade no ano 2000








Flávio de Andrade




Flávio de Andrade em uma das etapas da Espron em Brasília no ano de 2001








Da esquerda para a direita, José Alexandre, Nelson Piquet, Sabine Reck Smith e Ingo Hoffmann




















5 comentários:

  1. Obrigado Rodrigo! Mais um texto de lembranças e informações valiosíssimas! Show!

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  2. Rodrigo muito interessante sua pesquisa sobre o protótipo espron que teve origem no Proton 1.600 numa época que não se falava mais nesta categoria que era a charmosa Divisão 4.
    Parabéns pelo seu magnífico blog!*

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  3. Um ótimo resgate da história automobilística de competição do nosso país. Uma pergunta: resgatei um chassi desse carro e gostaria de saber qual foi o número da edição da Quatro Rodas em que saiu o teste do Espron. Obrigado

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