A edição de 1982 dos Mil Quilômetros de Brasília seria a primeira prova de longa duração do calendário automobilístico brasileiro daquela temporada. Ao contrário das edições anteriores, a corrida de 82 teria a largada não mais à noite, mas as 10h da manhã. O forte calor, característico do planalto central, se fez presente em todo o transcorrer da corrida, ajudando a alijar muitos dos competidores.
Os Mil Quilômetros de Brasília seriam disputados por cinco categorias: Turismo Força Livre (TFL), Categoria A (carros até 1.600cc), Categoria B (reservada aos Opalas Stock Car), Hot Car e Opala/Paulista. Na prática, tivemos um magro grid de 24 carros, sendo seis Opala Stock Car, dez da Turismo Força Livre, dois Hot Car e seis da Categoria A (dois VW Passat, três Fiat 147 e um Ford Corcel).
A Volkswagen inscreveu um Passat na prova e convidou uma dupla de jornalistas da revista Quatro Rodas para conduzir o carro: Emílio Camanzi e Charles Marzanasco Jr. A dupla já tinha experiência em disputa de provas oficiais e a missão era, além de conseguir um bom resultado na competição, contar para os leitores da revista a aventura de uma corrida de longa duração.
O Passat da dupla Emílio Camanzi e Charles Marzanasco
A base da equipe em Brasília era a concessionária Disbrave. Mas antes de embarcar para a capital federal, o time fez toda a preparação em São Paulo, inclusive com algumas sessões de treinos em Interlagos, para ambientação da dupla de pilotos-jornalistas ao bólido.
O Passat da equipe estava equipado com motor a álcool que, com a preparação dos engenheiros da fábrica, atingia 115 cavalos de potência, a aproximadamente 7.000 rotações por minuto.
Com tudo pronto, a equipe e o carro partiram para Brasília, pois os primeiros treinos livres já começavam na sexta-feira. E foi nesse dia que quase todo o trabalho do time terminou.
Como Charles já conhecia o traçado, foi escalado para iniciar os treinos. Deu seis voltas iniciais, entrou nos boxes para acertar a carburação e voltou para a pista. Quando ele demorou a passar novamente pela reta principal, um ar de preocupação tomou a equipe. A notícia que ninguém queria receber chegou logo: Charles havia batido o carro no miolo do circuito. Ele contou com riqueza de detalhes como foi o acidente, na matéria especial de cobertura da revista Quatro Rodas, de setembro de 1982: "numa fração de segundo senti o fim muito próximo. E ainda não consigo entender o que aconteceu comigo quando entrei na curva dos Noventa Graus, a cerca de 160 Km/h e em quarta marcha, que com o Passat deve ser feita a uns 100 Km/h e em terceira. Era o começo do treino de sexta-feira e acho que confundi aquela curva com a anterior, que se faz em quarta marcha e de pé no fundo.
Eu já havia passado a placa dos 50 metros e de repente percebi que tinha errado: tudo estava tão rápido que achei que a pista sumira, terminara, com tempo suficiente apenas para frear, travando totalmente as rodas, e ir de cara bater no guard-rail. Minha sorte foi a alta velocidade, pois o carro simplesmente levantou vôo depois de atravessar a lavadeira.
Naquele instante, nem percebi que o carro já estava no ar e só vi mesmo o guard-rail crescer na minha frente - numa hora dessas, ninguém imagina como os guard-rails, que na pista os pilotos sempre julgam muito pequenos, ficam grandes. Foi dramático chegar com tudo, e eu achei que iria sair bem machucado, pois mesmo com o carro no ar a batida frontal não foi brincadeira: fez um barulho terrível e eu me assustei ainda mais quando passamos por cima do guard-rail e aterrissamos do outro lado, com um tranco forte."
O Passat dos jornalistas estava com a frente dianteira - especialmente no lado esquerdo - seriamente danificada. Charles saiu ileso - apenas uma dor no pescoço -, além de bastante chateado com o incidente. Parecia ali que a prova estava acabada, mas a equipe operou uma verdadeira "operação de guerra".
Levaram o Passat acidentado para a oficina da concessionária Disbrave. Pegaram um Passat usado da revenda e começaram a transformá-lo em carro de corrida. O trabalho começou as 14h e às 20h30, faltava somente a pintura de corrida para acabar o serviço. O carro foi entregue para os pilotos a tempo de participarem da prova de classificação. Foram bravos!
A equipe ainda teria outro incidente, desta vez com Emílio Camanzi, que escapou da pista na curva antes da reta principal, dando uma pancada lateral no guard-rail. Emilio trouxe o carro para o box e a equipe mais uma vez trabalhou bem, trocando a suspensão e entregando o Passat em condições de continuar os treinos.
Charles Marzanasco foi o responsável por largar na prova, no domingo. Seu desempenho foi excelente, melhorando o ritmo de prova gradativamente, e o resultado, antes da primeira parada de boxes para reabastecimento e troca de pilotos, era a liderança na sua categoria. Emílio assumiu o carro e passou a imprimir um ritmo seguro, para poupar o carro e manter a posição. A cada meia hora, a equipe fazia um pit-stop para troca de pilotos e reabastecimento.
A largada dos Mil Quilômetros de Brasília de 1982
E depois de muitos sustos e contratempos, a equipe dos jornalistas-pilotos Emílio Camanzi e Charles Marzanasco Filho cruzou a bandeirada final na sexta colocação na classificação geral, vencendo a corrida na sua categoria, a classe A.
No autódromo, os 15 mil espectadores presentes na arquibancada viram, além da epopéia da equipe vencedora da classe A, a vitória na classificação geral do GM Opala Stock Car da trinca Alfredo Guaraná Menezes, Aldo Pugliese e Paulo Valiengo. O pódio foi completado por mais dois Opalas: o Stock Car da dupla Rodolfo Canhedo e Nelson Lacerda, em segundo, e outro, um Turismo Força Livre, Marcelo Robson e Paulo Nista. A dupla Paulo Gomes e João Carlos "Capeta" Palhares, um dos favoritos a vencer a prova, ficou pelo caminho com problemas elétricos em seu Opala Stock Car.
Charles Marzanasco, também chamado por todos carinhosamente de "Charlinho"
Emílio Camanzi no cockpit do Passat
Mil Quilômetros de Brasília de 1982 - Resultado final:
1º - Alfredo Guaraná Menezes / Aldo Pugliese / Paulo Valiengo - GM Opala Stock Car - Categoria B - 183 voltas em 7h40min35s - média de 120,101 Km/h
2º - Rodolfo Canhedo / Nelson Lacerda - GM Opala Stock Car - Categoria B - 180 voltas
3º - Marcelo Robson / Paulo Nista - GM Opala - Categoria Turismo Força Livre - 177 voltas
4º - Asdrubal Romão / Horesto Pereira / Ranieri Silvano - GM Opala - Categoria Turismo Força Livre - Categoria Turismo Força Livre - 171 voltas
5º - José Junqueira / Clemente de Faria / Roberto Mourão - VW Passat Hot Car - Categoria Hot Car - 171 voltas
6º - Emílio Camanzi / Charles Marzanasco Filho - VW Passat - Categoria A - 166 voltas
7º - Rubens Fernandes / Lindael Gabira - GM Opala - Categoria Turismo Força Livre - 160 voltas
8º - Jorge Luís Dabes / João Batista Marques - Fiat 147 - Categoria A - 159 voltas
9º - Afonso Giaffone Junior / José Próspero Giaffone - GM Opala Stock Car - Categoria B - 157 voltas
10º - Paulo Gomes / João Carlos "Capeta" Palhares - GM Opala Stock Car - Categoria B - 154 voltas
11º - Luís Moreira / Norair Mendes - Ford Corcel - Categoria A - 154 voltas
Melhor volta da prova - Alfredo Guaraná Menezes / Aldo Pugliese / Paulo Valiengo - GM Opala Stock Car - tempo de 2min20s.94, com média de 128,684 Km/h
O Opala dos vencedores, Alfredo Guaraná Menezes, Paulo Valiengo e Aldo Pugliese
Paulão Gomes e "Capeta" Palhares em uma das paradas de box - a dupla era uma das favoritas à vitória na classificação geral
Opala segundo colocado na classificação geral com Rodolfo Canhedo e Nelson Lacerda
Troncon e Alencar Jr. também estavam cotados para vencer na classificação geral, mas foram alijados da prova por problemas de câmbio
O Passat da dupla de jornalistas-pilotos, Charles Marzanasco e Emílio Camanzi, os vencedores da categoria A