O Fiat Uno foi um dos principais modelos de automóvel produzidos no Brasil. Com início da sua manufatura em 1984, o hatch pequeno, com principal apelo e alcance popular, caiu nas graças do motorista brasileiro e chegou até a ser exportado para a Itália, seu país de origem e de concepção. E foi justamente o Fiat Uno o modelo escolhido pela Fiat do Brasil para criar uma categoria monomarca que prometia agitar o automobilismo nacional.
Sob organização e regência técnica do experiente e competente Luis Antônio Greco, através da sua empresa Greco Competições, e com apoio oficial da Fiat brasileira, a categoria estreou no ano de 1992 e o carro escolhido como base para o modelo de competição foi o Uno 1.6 R, a versão esportiva e topo de linha. As previsões iniciais demandavam que cada piloto teria um investimento de aproximadamente 40 mil dólares para participar de toda a temporada.
Os carros eram vendidos pela Fiat totalmente "depenados" aos pilotos a preço de custo e o time de Greco entrava com a montagem de todos os itens de competição, tais como santo-antônio, bancos, cintos de segurança, instrumentação e extintores de incêndio, além de outros equipamentos. A Fiat subsidiava gastos com combustível, transporte e inscrições. Os motores de 1.600 cm³ eram todos preparados pela Greco Competições e, para garantir o equilíbrio da competição, eram sorteados a cada etapa entre os pilotos.
O modelo base para o carro de competição foi o Uno 1.6R
Luis Antonio Greco falou sobre a categoria à equipe de reportagem da revista Auto Esporte, na sua edição de fevereiro de 1992. Aspas para Greco: "esta será um categoria que deverá mesclar experiência com novos talentos mas, principalmente, marcará a volta de um automobilismo mais acessível e barato sem deixar de ser competitivo." Sobre o equilíbrio a ser zelado pela competição, Greco também falou: "infelizmente, para que haja homogeneidade é preciso que a categoria seja monomarca. Por isso mesmo, nosso grande apelo será o equilíbrio de força entre os concorrentes. Até mesmo o fato de sortearmos os motores é mais um item para permitir o máximo de isenção nos resultados. Por fim, empolgado, Greco falou sobre as expectativas da Fórmula Uno: "nossa ideia é fazer um grande show a cada etapa e por isso existe a possibilidade de também sortearmos carros a cada evento."
Indo mais à fundo ao aspecto técnico da Fórmula Uno, os motores teriam uma potência estimada de 108 cavalos a 7 mil rotações por minuto. O torque era estimado em 15,8 mkgf a 5.500 rotações por minuto. O comando de válvulas original dava lugar a um preparado, com 272 graus de abertura. As válvulas e assentos tiveram os ângulos alterados. A taxa de compressão foi redimensionada para 9,3:1, com uso de gasolina comum. O carburador tinha seus difusores ampliados e o coletor de escapamento, que originalmente era de ferro, foi trocado por um redimensionado. As suspensões dos carros, assim como os motores, eram padronizadas e os pneus a serem utilizados seriam os radiais, da marca Pirelli.
A revista Quatro Rodas, com reportagem de Douglas Mendonça, realizou um teste comparativo entre o Uno 1.6 R "civil" e o Uno de competição e reportou um paralelo de ficha técnica e os números aferidos no teste. Este quadro mostra bem a diferença entre os modelos de pista e de rua. Seguem os quadros comparativos:
No âmbito desportivo, a Fórmula Uno em sua primeira temporada contou com um total de 10 etapas nos principais circuitos do país. Nomes de peso aderiram a categoria, como por exemplo Chico Serra, Adalberto Jardim, Fabio Sotto Mayor, Toninho da Matta, Ingo Hoffmann, Xandy Negrão, Maria Cristina Rosito e muitos outros. Os grids chegaram a atingir um total de 50 carros, um sucesso total.
Algumas das feras da turma de 1992: de pé, da esquerda para direita: Ingo Hoffmann, Toninho da Matta, Maria Cristina Rosito, Guto Negrão, Fabio Sotto Mayor, Xandy Negrão e Adalberto Jardim. Agachados: Walter Travaglini e Laércio Justino
Foram criadas as sub-categorias Graduados A (voltada para os pilotos mais experientes) e Graduados B (direcionada para os jovens competidores e eventualmente estreantes). Para premiar a participação dos competidores jovens, a Fiat daria como prêmio uma temporada paga na Fórmula 3 Italiana ao campeão. Para não deixar de premiar os competidores da Graduados A, a Fiat disponibilizou um Tempra para dar ao campeão da temporada.
Mais de 110 empresas participaram como patrocinadores do evento e as arquibancadas lotaram em todas as etapas. Tivemos oito vencedores em dez etapas, um excelente nível de competitividade. Foi uma ótima temporada de estreia de um campeonato que prometia muito no cenário nacional.
1ª Etapa - Tarumã (RS)
Tudo pronto para começar a temporada! O palco de estreia seria o ótimo circuito de Tarumã, que contaria com um grid de 21 carros, um contingente ainda pequeno, uma vez que muitos carros ainda estavam em preparação.
A corrida foi disputada sob bastante chuva e coube ao gaúcho Aroldo Bauermann, depois de disputa com Atila Sipos, a honra de ser o vencedor da primeira prova da Fórmula Uno.
Aroldo Bauermann (#70) e Fábio Sotto Mayor (#12)
Os primeiros colocados em Tarumã:
1º - Aroldo Bauermann
2º - Atila Sipos
3º - Fabio Sotto Mayor
4º - Flávio "Nonô" Figueiredo
2ª Etapa - Goiânia (GO)
A prova em Goiânia contou com a vitória na classificação geral do goiano Laércio Justino, aproveitando-se do conhecimento da pista.
Laércio Justino venceu em casa
3ª Etapa - Guaporé (RS)
A Fórmula Uno voltou ao Rio Grande do Sul para a disputa em Guaporé. O vencedor da etapa foi o pernambucano Rogério dos Santos, que realizou uma corrida apoteótica, largando da vigésima primeira colocação e atingindo a ponta na última volta, depois de ultrapassar o líder Chico Serra.
4ª Etapa - Cascavel (PR)
Na semana anterior à quarta etapa, o piloto Chico Serra, na estrada a caminho de Cascavel, sofreu um acidente. Ao escapar da pista com seu Alfa-Romeo 164, Chico caiu em um barranco e acabou por fraturar o seu braço direito. Chico estaria de fora de quatro etapas e praticamente daria adeus às suas chances de disputa do título.
A prova em Cascavel foi disputada sob chuva e foi marcada pelo acidente de Angelo Giombelli em uma disputa, na curva do bacião, com os competidores Walter Travaglini e Atila Sipos. Gionmbelli capotou o seu Uno mas não sofreu ferimentos. A corrida foi vencida pelo jovem Flávio "Nonô" Figueiredo, que ali já se credenciava como um dos postulantes ao título da temporada.
5ª Etapa - Interlagos (SP)
O substituto de Chico Serra na equipe Alpi seria a fera Ingo Hoffmann, que chegou e logo mostrou suas credenciais: diante de um excelente público de 22.500 pessoas presentes nas arquibancadas do autódromo José Carlos Pace, venceu a prova. Ingo, que a princípio não queria disputar a Fórmula Uno, foi convencido pela equipe Alpi a correr o restante da temporada, mesmo com a volta posterior de Chico Serra. Os três primeiros colocados em Interlagos:
1º - Ingo Hoffmann
2º - Xandy Negrão
3º - Fábio Sotto Mayor
Ingo chegou e já venceu de cara!
O grid da Fórmula Uno a cada etapa seguia mais numeroso
6ª Etapa - Tarumã (RS)
Em mais uma etapa no Sul, a vitória ficou com o jovem Flávio "Nonô" Figueiredo, que se tornava o único piloto a vencer mais de uma etapa na temporada e seguia firme na disputa do título.
7ª Etapa - Brasília (DF)
Na capital federal, 18 mil pessoas marcaram presença nas arquibancadas para acompanhar a vitória de Fabio Sotto Mayor, que vinha flertando com a vitória em várias etapas. O jovem piloto Tarso Marques assustou a todos com uma capotagem espetacular, sem consequências físicas para o competidor.
Vitória para Fabinho Sotto Mayor em Brasília
8ª Etapa - Londrina (PR)
Na segunda etapa realizada em Londrina, a Fórmula Uno vivenciou a sua primeira polêmica: a suspeita - não confirmada - de adulteração de combustível do carro vencedor, do piloto Antônio Jorge Neto, da equipe Milano.
9ª Etapa - Jacarepaguá (RJ)
A corrida no Rio de Janeiro foi uma das mais agitadas de toda a temporada. Logo na primeira volta de prova, um acidente com quatro carros gerou uma capotagem do piloto José Ricardo Fiaminghi, que sofreu ferimentos leves. A vitória - a segunda consecutiva - ficou com o piloto Antônio Jorge Neto.
10ª Etapa - Interlagos (SP)
Chegamos à última etapa da primeira temporada da Fórmula Uno com a disputa do título entre quatro pilotos: Nonô Figueiredo, Xandy Negrão, Fabinho Sotto Mayor e Antônio Jorge Neto. Teríamos um recorde de 48 carros inscritos nesta etapa. Nos treinos, Nonô e Fabinho, postulantes ao título, não foram bem a partiriam no bolo do grid. A pole position ficou com o gaúcho Aroldo Bauermann, que teria ao seu lado Maria Cristina Rosito. Em terceiro sairia Chico Serra.
A grande final em Interlagos: note o público nas arquibancadas
Os três primeiros colocados no grid largaram bem e mantiveram a ponta, seguidos de Xandy Negrão. Na primeira volta, na curva do laranjinha, Rosito assumiu a ponta, com Chico em segundo e Xandy em terceiro. A disputa pela ponta a partir de então ficou entre Serra, Rosito, Xandy, Ingo Hoffmann e Angelo Giombelli, com várias alternâncias. Uma bela batalha!
Xandy Negrão, que no final de prova, pela sua posição na pista estava faturando o título, escapou da pista na última volta, em uma disputa contra Angelo Giombelli, dando adeus à taça. A vitória ficou com Chico Serra, uma redenção para o piloto depois de ficar de fora de quatro etapas do campeonato. Com os resultados finais, o título de 1992 ficou com o jovem Flávio "Nonô" Figueiredo, que ganhou o prêmio de uma temporada paga na Fórmula 3 Italiana. O vice-campeão foi Fabio Sotto Mayor, o vencedor na categoria Graduados A, que levou pra casa um Fiat Tempra como prêmio.
Os primeiros colocados em Interlagos:
1º - Chico Serra
2º - Paulo Gomes
3º - Guto Negrão
4º - Ingo Hoffmann
5º - Maria Cristina Rosito
6º - Xandy Negrão
7º - Flávio "Nonô" Figueiredo
8º - Renato Marlia
9º - Toninho da Matta
10º - Fabio Sotto Mayor
Resultado final do campeonato de pilotos:
1º - Flávio "Nonô" Figueiredo - 76 pontos - Campeão da categoria Graduados B
2º - Fabio Sotto Mayor - 73 pontos - Campeão da categoria Graduados A
3º - Xandy Negrão - 72 pontos
4º - Antônio Jorge Neto - 59 pontos
5º - Chico Serra - 57 pontos
6º - Guto Negrão - 55 pontos
7º - Ingo Hoffmann - 54 pontos
8º - Atila Sipos - 52 pontos
9º - Aroldo Bauermann - 46 pontos
10º - Rogério dos Santos - 46 pontos
Fabio Sotto Mayor foi o campeão da categoria Graduados A e vice-campeão na classificação geral
Flávio "Nonô" Figueiredo foi o campeão na classificação geral e na categoria Graduados B
A despedida de uma lenda do nosso automobilismo
E na véspera de Natal de 1992 tivemos a triste notícia do falecimento de Luis Antônio Greco, de 57 anos de idade, quando passava férias em Miami, vítima de um infarte. O grande responsável pela organização técnica - com muito sucesso, por sinal - da Fórmula Uno, havia sido também um dos mais importantes chefes de equipe e preparadores que este país já teve em seu automobilismo de competição, trabalhando com os principais pilotos do Brasil.
O criador e a criatura
Greco foi o chefe do Departamento de Competições da equipe Willys, uma das mais importantes da época, depois da morte de Christian "Bino" Heinz em Le Mans. Antes, havia sido piloto e disputou provas de subida de montanha. Esteve envolvido no início da Fórmula Ford no Brasil, chefiou a forte equipe Mercantil Finasa-Ford na década de 70, dos famosos Mavericks amarelos e, ainda junto à Ford, disputou várias temporadas do Campeonato Brasileiro de Marcas e Pilotos. Estava muito feliz e vinha realizando um brilhante trabalho à frente da organização da Fórmula Uno, que se consolidava no cenário do esporte a motor brasileiro já no seu primeiro ano.
Luis Antônio Greco deixou a vida para entrar para a história do esporte a motor do Brasil e deixou o seu legado ao seu filho, o então piloto Fábio Greco, que com 29 anos em 1992, passou a assumir o controle da Greco Competições e seguir com o sucesso da Fórmula Uno.
Excelente matéria!!!!!
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