O mês de janeiro é sempre marcado para o fã de esporte a motor pela realização do rally mais difícil e desafiador do mundo, o Dakar. Equipes oficiais e particulares tomam parte da prova que abriga uma interessante pluralidade de modelos: carros, motores, caminhões, quadriciclos, UTVs, além dos carros de apoio que se deslocam durante a prova.
Há 24 anos uma equipe totalmente brasileira - isso mesmo, com carros fabricados em terras tupiniquins e pilotos e navegadores nativos - participou da prova. Foi na edição de 2000, do então intitulado Paris-Dakar-Cairo que a equipe Troller Brasil participou do rally mais difícil de todos. Ao todo foram inscritos quatro jipes Troller para enfrentar o percurso de 11 mil quilômetros, divididos entre 3.020 mil quilômetros de deslocamento e 7.714 mil quilômetros de estágios especiais.
O Troller T5 da dupla Cacá Clauset / Amyr Klink
O desafio de disputar o Dakar foi dado por Mário Araripe, na época o presidente da Troller, ao piloto e jornalista Cacá Clauset, que foi incumbido de liderar o projeto da equipe nacional.
A ideia havia surgido alguns anos antes, em uma edição do Rally dos Sertões em que Cacá Clauset disputava a prova pela equipe oficial da Kia, com o modelo Sportage. Cacá havia terminado bem a prova, entre os primeiros, e ao final foi abordado por Araripe, que lhe disse: "se o percurso dos Sertões fosse de areia e dunas, nós teríamos ganho esse rally com o Troller". Nessa época, o jipe nacional, fabricado no Nordeste era equipado com motorização Volkswagen AP 1.8.
Após a afirmação de Mário Araripe, Cacá Clauset mandou "na lata" para ele: "porque então você não vai disputar o Dakar?" Essa informação de certo ficou gravada na memória de Araripe, que voltaria a abordar Clauset em 1999, apresentando o projeto para disputar o rally na África.
Mário Araripe, diretor da Troller
Por trás do desafio, havia o desejo de Mario Araripe de utilizar a competição como ferramenta de Marketing para a marca Troller. A fábrica já vinha melhorando os seus índices de venda e gradativamente melhorava o seu produto, em passos que passavam por adotar uma motorização mais potente que não fosse o já antigo motor AP da Volkswagen.
A partir de então, Cacá Clauset passou a se cercar dos profissionais que embarcariam com ele nessa empreitada de organizar e montar uma operação para disputar o Dakar. O time formado contou inicialmente com o próprio Cacá, que trouxe Meg Cotrim e Alberto Fadigatti para começar os trabalhos. Clauset na época era jornalista da revista Quatro Rodas e pediu licença da redação para atuar no projeto.
Os apoios angariados eram muito bons. Além da própria Troller, que cedeu quatro jipes T4, a equipe brazuca contou com a Varig - que ajudou em um ponto importante, o transporte aéreo de carros, peças e os integrantes do time - e da fabricante de cigarros Souza Cruz, que estampou a marca Hollywood na carenagem dos carros, nas tradicionais cores vermelho, azul e verde. A empresa BF Goodrich foi a fornecedora dos pneus. Todo esse apoio garantiu um esquema com muitas peças sobressalentes, dois caminhões de apoio e boa mão de obra de suporte, em um projeto poucas vezes visto no Dakar até então.
O embarque dos jipes rumo ao Dakar
No desenvolvimento do Troller do Dakar, surgiu a versão T5, especialmente preparada para a competição. O Troller recebeu melhorias, como os tanques de combustível importados, capazes de comportar um total de 380 litros. A suspensão foi reforçada com eixos rígidos na traseira e foram instalados amortecedores duplos importados, da marca Ohlins. A fibra da carroceria foi reforçada e uma inovação oriunda dos caminhões de estrada foi adotada para melhorar a dirigibilidade dos Troller nas areias do deserto: o sistema do Rodoar, que permitiu aos pilotos e navegadores regularem a pressão dos pneus diretamente da cabine, à medida da necessidade durante o rally.
A engenhosidade e praticidade do sistema do Rodoar
O conjunto de motor e câmbio escolhido para o Troller T5 foi o V6 4.0 da Ford Ranger, de 162 cavalos, vendida no mercado nacional. Sobre eles, cabe aqui um parêntese curioso: a Ford prometeu à equipe Troller ceder os conjuntos de motor e câmbio, porém, às vésperas da equipe embarcar para a prova, o pedido foi negado pela fábrica. A solução adotada pela equipe brasileira foi comprar quatro picapes com a referida motorização, retirar os conjuntos e instalar nos Trollers de rally.
Com toda essa preparação e investimentos totais de 1,5 milhões de dólares, os jipes Troller T5 Dakar se enquadraram na categoria T3 do rally, designada para protótipos. A equipe ainda contou com dois caminhões de apoio Mercedes-Benz.
O time de pilotos e navegadores foi formatado da seguinte forma:
- Troller T5 número 342 – Piloto: Roberto Macedo (empresário) / Navegador: Marco Ermírio de Moraes (Diretor do Rally dos Sertões);
- Troller T5 número 343 – Piloto: Arnoldo Silveira Junior (empresário) / Navegador: Gabriel Galdino (empresário);
- Troller T5 número 344 – Piloto: Reinaldo Varella (empresário) / Navegador: Alberto Fadigatti (empresário);
- Troller T5 número 345 – Piloto: Cacá Clauset (jornalista) / Navegador: Amyr Klink (empresário)
Do time, destaque para Marco Ermírio de Moraes, diretor do Rally do Sertões, que para além da participação na equipe brasileira, também aproveitou para colher as melhores práticas do Dakar para aplicação nos Sertões. Destaque também para Amyr Klink, o grande navegador marítimo brasileiro, que dentre seus grandes feitos, percorreu 27 mil milhas a bordo do veleiro “Paratii” entre a Antárctica e o Ártico, e que cumpria sua primeira experiência como navegador de rally.
O time brasileiro da Troller: (de pé) Gabriel Galdino, Arnoldo Silveira Jr., Marco Ermírio de Moraes, Paulo Roberto Salles, Simone Paladino, Elson dos Reis, Nilton Correira da Silva, Jorge Nieckele, (agachados) Alberto Fadigatti, Reinaldo Varella, Amyr Klink, Ednei Domingues Galvão, Roberto Macedo, Cacá Clauset e José Airton da Silva Freire.
O grande objetivo da equipe brasileira era finalizar a prova com os quatro jipes e de fato o feito foi cumprido. “Nosso objetivo era chegar ao Cairo, destino final, provando a competência de um carro nacional, com a satisfação de integrar uma equipe genuinamente brasileira”, relatou Cacá Clauset à revista 4x4 & Cia.
Apenas um dos Trollers não se classificou, por conta de um grave acidente. Foi o carro da dupla Reinaldo Varella e Alberto Fadigatti, que na especial do dia 19 de janeiro de 2000, já na parte final da competição, entre Waha e Khofra, na Líbia, capotou em uma duna. “De repente vimos um motociclista fazendo um sinal com as mãos, mas já estávamos muito em cima do pico da duna. Foram oito metros de queda livre”, contou Alberto Fadigatti à revista 4x4 & Cia. Ele levou a pior, pois naquele momento havia afrouxado o cinto de segurança para alcançar, na parte debaixo do painel, o controle do Rodoar. “Senti a dor na hora. A pior dor que já senti em toda a minha vida. Tentei sair do jipe capotado, colocando os braços e a cabeça para fora da porta. Varella e o motociclista puxaram o resto do meu corpo”, revelou Fadigatti.
O grave acidente de Varella e Fadigatti
Reinaldo Varella saiu do episódio com um pequeno corte na perna, porém Alberto Fadigatti teve de ser hospitalizado, pois havia fraturado duas vertebras da coluna. Ele contou para a revista 4x4 & Cia os perrengues e dificuldades do pós acidente: “Durante 40 minutos senti uma dificuldade terrível para respirar e o pior é que eu engoli água com areia e me desesperei. Fiquei 8 horas sem comida e cuidados médicos. Tive que ameaçar uma pessoa com uma faca para que viessem me atender”. Reinaldo Varella seguiu sozinho até o final do rally, pois incrivelmente o Troller da dupla não sofreu avarias severas.
Os resultados finais da equipe Troller no Dakar 2000 foram os seguintes:
46º - #343 – Arnoldo Silveira Junior / Gabriel Galdino
75º - #342 - Roberto Macedo / Marco Ermírio de Moraes
53º - #345 – Cacá Clauset / Amyr Klink
Não completaram: #344 – Reinaldo Varella / Alberto Fadigatti
A equipe Troller na chegada, com as pirâmides do Egito ao fundo
A ficha técnica do Troller T5 do Dakar:
Ford V6, 4.0 litros, gasolina, dianteiro, longitudinal, injeção eletrônica multipoint (o mesmo da picape Ranger).
Diâmetro e curso: 100,42 x 84,4 mm
Cilindrada: 4.011 cm3
Potência: 200cv a 5.200 rpm
Torque: 36.1 kgfm a 2.850 rpm
Diâmetro e curso: 100,42 x 84,4 mm
Cilindrada: 4.011 cm3
Potência: 200cv a 5.200 rpm
Torque: 36.1 kgfm a 2.850 rpm
Suspensão:
Dianteira: eixo rígido, amortecedores duplo Ohllins pressurizado
Traseira: eixo rígido, amortecedores duplo Ohllins pressurizado
Tração:
4x4 integral
Freios:
Dianteiro: disco ventilado
Traseiro: tambor
Rodas:
Mangels aro 15 x 7
Pneus:
BF Goodrich Baja 33 x 10,5 aro 15
Câmbio:
Manual 5 marchas com engrenagens retas
Dimensões:
Comprimento: 3m98
Largura: 1m85
Altura: 1m82
Dianteira: eixo rígido, amortecedores duplo Ohllins pressurizado
Traseira: eixo rígido, amortecedores duplo Ohllins pressurizado
Tração:
4x4 integral
Freios:
Dianteiro: disco ventilado
Traseiro: tambor
Rodas:
Mangels aro 15 x 7
Pneus:
BF Goodrich Baja 33 x 10,5 aro 15
Câmbio:
Manual 5 marchas com engrenagens retas
Dimensões:
Comprimento: 3m98
Largura: 1m85
Altura: 1m82
Peso: 1.650 kg Tanque: 380 litros
Amyr Klink: acostumado coma navegação nos mares, encarou um ambiente diferente no Dakar
Marco Ermírio de Moraes: experiência no Dakar para melhorar o Sertões
Ótima lembrança! Tudo muito detalhado! Obrigado e parabéns por sempre destacar o Automolismo Brasileiro !
ResponderExcluirQue relato maravilhoso, sem contar as sessões de fotos. Fica registrado na matéria a sacanagem da Ford no episódio dos motores.
ResponderExcluirO diretor presidente da Souza Cruz (Hollywood) na época era piloto de protótipos Flávio de Andrade.
ResponderExcluirHistória sensacional! Muito boa mesmo!
ResponderExcluirnada é fácil no Brasil, mas vcs foram vencedores! 👏👏👏👏
ResponderExcluirtudo isso ocorreu em 1999,a abordagem do Mario foi no fim do sertoes de 99,o caca teve pouco mais de 5 meses para deixar tudo pronto
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