domingo, 30 de abril de 2023

Aldee, o fora-de-série das ruas que fez - e faz - sucesso nas pistas de corrida


O segmento dos automóveis de pequena escala de produção no Brasil - também conhecido como fora-de-série - chegou no seu auge em volume e qualidade de acabamento no final da década de 1980. Depois de anos de estagnação em novidades - o mercado já estava há anos fechado para as importações - os pequenos construtores já haviam desenvolvido muita técnica e inventividade na produção dos carros fora-de-série, e tínhamos uma boa quantidade de modelos e fábricas em plena atividade nesta época.



O bonito perfil do Aldee GT



E foi neste ambiente produtivo que o ex piloto de motovelocidade Almir Donato resolveu construir um cupê duas portas, 2 + 2 e três volumes. Com a experiência das pistas, elaborou um carro com proposta esportiva, que utilizava a plataforma física e mecânica - motorização AP 1.8s - do VW Gol GTS. Toda a carroceria do modelo da VW era "recortada", sobrando apenas a estrutura de assoalhos, com o cofre do motor, o propulsor e caixa de câmbio. Por cima desta estrutura era colocada a carroceria de fibra de vidro. O grande ganho na adoção desta solução era uma maior rigidez torcional do conjunto, além de maior leveza, o que fez do Aldee um esportivo fora-de-série com excelente comportamento dinâmico. Todo o conjunto pesava 972 quilos. Na mesma medida, todo o interior do carro era alterado, trazendo toques de requinte, modernidade e exclusividade. O desenho trazia linhas limpas e agradáveis aos olhos, com frente em cunha e traseira alta. Nascia o Aldee GT - Aldee era a alcunha para Almir Donato Equipamentos Esportivos.


Apesar da base mecânica ser de origem VW, para o Aldee foram desenvolvidas peças exclusivas, diferentemente de outros modelos fora-de-série da época. No interior, destaque para o painel eletrônico digital, teto solar com acionamento elétrico e conjunto de bancos dianteiros e traseiros com revestimento de padronagem especial. O volante de três raios, pequeno, dava uma pegada bastante esportiva.






O interior do Aldee GT era exclusivo




Por fora o Aldee também dava show, principalmente no seu bem resolvido design de cupê esportivo. A solução de dianteira baixa e traseira alta é extremamente agradável aos olhos. As rodas exclusivas de aro 14 eram montadas em pneus de medida 195 e perfil 60. A cereja do bolo são os faróis dianteiros escamoteáveis, que na década de 80 eram sinônimo de esportividade e modernidade. O consumidor da época poderia escolher seu Aldee nas cores vermelho-Ferrari, azul, branco e champagne, pagando a bagatela de até dois milhões de cruzados, moeda da época.

























O pretenso sucesso do Aldee nas ruas não aconteceu. Foram produzidas poucas unidades e a abertura das importações no início dos anos 90 freou o crescimento dos nossos carros de produção fora-de-série. Puma e Miura, só para citar os mais fortes e consolidados produtores, tiveram seu declínio de desempenho nesta época. Foram tão poucas unidades construídas que nos dias de hoje é praticamente impossível encontrar um Aldee GT à venda.


Porém, a vida do Aldee fora do mercado automotivo brasileiro foi brilhante, e o DNA das competições, oriundo do seu criador, Almir Donato, foi o responsável pelo sucesso do carro nas pistas de corrida nacionais. Aliás, pode-se afirmar sem sombra de dúvidas que o Aldee é o mais bem sucedido modelo produzido no Brasil voltado para as competições automobilísticas. O Aldee ainda é utilizado em boa escala nas competições, em diferentes modelos e configurações, mas sua história nas pistas começa lá no início dos anos 90.


Já no ano de 1990, um modelo Aldee foi inscrito para a edição das Mil Milhas Brasileiras daquele ano. Sob o comando do seu criador, Almir Donato e do parceiro Luis de Barros Pinto, o Aldee mostrou o seu cartão de visitas logo de cara e deu uma prévia de como seria sua jornada nas pistas: venceu na categoria em que estava inscrito, a "B", e finalizaram a prova em uma excelente quinta posição na classificação geral.




Aldee na edição de 1992 das Mil Milhas Brasileiras



A partir de então, o Aldee sofreu uma série de melhorias mecânicas (adoção de novos conjuntos mecânicos de motor e câmbio) além de aprimoramentos como a construção do chassi tubular e utilização de outras configurações de suspensão e rodas.


A história do Aldee mas Mil Milhas Brasileiras continuou sólida, com mais uma vitória na classe B, com a chegada na segunda posição na classificação geral da edição de 1993. O cupê foi pilotado pela dupla André Giaffone e Renato Marlia. Ainda em 1993, o Aldee alcançou a vitória na tradicional "Cascavel de Ouro", com Claudio Girotto e Lourenço Barbatto.



O vencedor da Cascavel de Ouro de 1993



O sucesso do Aldee nas competições - além do trabalho de desenvolvimento de Almir Donato - se deve muito à receita de preparação com relativa simplicidade e custos baixos, baixo peso, manutenção rápida e fácil. Esse conjunto proporcionou aos pilotos que utilizaram o Aldee fazer frente a adversários mais modernos e potentes, muitas vezes modelos importados.


A trilha da história do Aldee nas pistas continuou nas Mil Milhas Brasileiras. Na edição de 1994, com a trinca formada por José Cherchiai, Almir Donato e Manoel Rezende finalizou a maratona na sexta colocação na classificação geral, vencendo na categoria.



Almir Donato com sua criação, na edição de 1994 das Mil Milhas Brasileiras



Ainda em 1994, o Aldee conquistou mais um importante triunfo na sua história: um modelo equipado com motorização Volkswagen Spiess de Fórmula 3 venceu as 12 Horas de Curitiba com o trio Pedro Muffatto, Flávio Trindade e Gastão Weigert. Mais um excelente resultado em provas de longa duração, o habitat natural do Aldee. É neste ano que surge a versão RTT, com tração traseira.




O Aldee especialmente preparado com motorização de Fórmula 3, vencedor das 12 Horas de Curitiba



Na edição de 1995 das Mil Milhas, mais uma vitória do Aldee em sua categoria e a quarta posição na classificação geral conquistada pela tripulação formada por Alexandre Zaninotto, Christin Casal Del Rey e Luiz Amorim.


Cada vez mais víamos Aldees nas pistas brasileiras, principalmente nas provas de longa duração, fazendo frente a modelos mais modernos e poderosos. Nas Mil Milhas de 1996, tivemos um Aldee chegando na segunda posição na classificação geral, um baita feito conquistado pela dupla Tony Garcia e Antônio C. Garcia.


A abrangência dos carros produzidos por Almir Donato ganhou mais alcance nacional com a criação, na segunda metade da década de 90 - mais especificamente em 1996 -, do protótipo Aldee Spyder Race, um biposto aberto, de chassi tubular revestido de carenagem de fibra de vidro, com motorização central-traseira e tração nas rodas de trás.



As duas criações de Almir Donato, o Aldee Spyder à frente



De concepção barata e recebendo inicialmente o conjunto mecânico de câmbio e motor Volkswagen AP 1800/2000, o protótipo foi um sucesso de adesão pelas equipes e pilotos país afora. Seu desempenho e comportamento dinâmico não decepcionou e logo os resultados expressivos chegaram. O habitat natural do Aldee Spyder não poderia ser outro: o das provas de longa duração. E vem sendo assim até hoje: o Aldee Spyder continua em plena atividade no automobilismo nacional, tanto em provas de longa duração quanto em competições "força-livre".


Em 1999, com a edição das Mil Milhas Brasileiras sendo disputadas no Autódromo Internacional de Curitiba, a consagração veio com a conquista da vitória na classificação geral, feito conquistado pela trinca de paranaenses Beto e Luciano Borghesi e Jair Bana. Ainda no ano de 1999, a dupla Antônio Chambel Filho e José Ney Fonseca conquistou a vitória na classificação geral dos 500 Quilômetros de Interlagos com Aldee cupê.



O Aldee Spyder vencedor das Mil Milhas em Curitiba





Aldee Cupê vencedor dos 500 KM de Interlagos de 1999



No ano 2000, mais um importante resultado para a história do o Aldee Spyder: a vitória na classificação geral nas 12 Horas de Tarumã, feito conquistado por Cristina Rosito, Sérgio Pereia, Paulo Bertuol e Décio Dornelles Neto.



Cristina Rosito cruzando a linha de chegada para vencer as 12 Horas de Tarumã de 2000



A relevância do Aldee Spyder Race foi tanta que na da década de 2000 foi criada uma categoria monomarca do protótipo construído por Almir Donato, para o automobilismo paulista. A Copa Spyder Race foi um sucesso, com grids sempre cheios e ótimas disputas. Pilotos como Antônio Avallone Jr., Sérgio Pistilli, Roberto Dal Pont, Roberto Martinez,  Leandro Romera, Fúlvio Marote, Fernando Fortes, Marco Cozzi, Ronaldo Castropil. Marcelo Sant´Anna, José Luiz "Graham Hill" Nogueira, Renan Guerra, Pedro Queirolo, Norberto Gresse Filho, Giuliano Losacco, dentre outros, tomaram parte deste campeonato. Em 2010, foi criado um certame nacional dos Aldees Spyder.













Outro destaque do Aldee nas competições nacionais foi na edição dos 500 Km de Interlagos de 2005. Dos vencedores ao sexto colocado, só deu Aldee Spyder. A tripulação vencedora foi formada por Federico Canepa, Charles Rothchield e Álvaro Águia.


Em 2010, Almir Donato desenvolveu uma evolução do Spyder, um protótipo maior em dimensões e motorização mais potente. Apesar da produção em menor escala, o carro é utilizado até os dias atuais por alguns pilotos.






A evolução do Aldee Spyder



O Aldee nos dias atuais


Os protótipos idealizados e construídos por Almir Donato continuam em plena atividade no automobilismo nacional, em provas de longa duração e também em disputas de categorias de preparação livre. Algumas variações sobre o chassi tubular do Spyder foram construídas, como por exemplo o "Fuspyder", com a bolha do Fusca. No sul, com base no protótipo MRX, protótipos receberam carenagem do Aldee cupê. Tudo isso mostra a longevidade e versatilidade das criações de Almir Donato, e corrobora a tese de que o Aldee cupê e o Aldee Spyder são os mais importantes carros de corrida do automobilismo brasileiro.




Aldee da equipe gaúcha MC Tubarão







Os protótipos gaúchos, com chassi de MRX e bolha do Aldee cupê





Aldee-Romeo, criação de Paulo "Loco" Figueiredo - frente e traseira do Alfa-Romeo 155 e tributo ao DTM





O Fuspyder - chassi de Aldee Spyder e bolha do Fusca





Beto Monteiro na edição dos 500 KM de Interlagos de 2017





Equipe LT Team de Londrina nas Mil Milhas de 2020





Lindo Aldee de Juliano Bastos





Luc Monteiro nos 500 KM de 2018





O teste da Revista Grid com o Aldee cupê


No ano de 1995 a revista de automobilismo Grid testou, em sua edição de julho, um Aldee Cupê, pertencente aos pilotos Alexandre Zaninoto, Christian Casal De Rey e Luiz Amorim Jr. O teste para a revista ficou a cargo do jornalista e piloto Geraldo "Tite" Simões.





As primeiras impressões de Tite sobre o Aldee: "o primeiro contato com o Aldee de competição faz lembrar um Passat em escala reduzida. Ele é pequeno, baixo e tem pequena distância entre eixos. O interior é bem acabado, com painel completo: conta-giros eletrônico e os indicadores de pressão de óleo, bomba de gasolina, temperatura do óleo, além de vários botões para colocar tudo isso em funcionamento. O banco individual é específico para competição e chega a ser confortável. O acionamento do câmbio é muito macio e fácil de engatar, desmistificando a imagem de que carro de corrida tem de ser duro e desconfortável. O cinto de cinco pontos mantém o piloto totalmente colado ao banco."








Tite continua a descrever a experiência no Aldee Cupê: "apesar do escapamento duplo saindo pelo lado direito, o ruído dentro do Aldee não chega a incomodar. Para o teste, o conta-giros foi regulado para indicar a luz vermelha a 6.000 rpm, para não colocar em ruínas o trabalho do preparador Elísio Casado. Os freios são a disco ventilado nas quatro rodas, com acionamento pesado, porque não tem servo-freio. Nas frenagens mais fortes, como a entrada do S do Senna, ou na descida do Lago, a traseira tende a escapar, como é normal nos carros com motor e tração dianteiros. Isso ajuda quando é preciso jogar a traseira, como na entrada do Laranjinha, para colocar o carro na posição ideal de trajetória."












O comportamento na pista foi descrito por Tite Simões assim: "o ponto de maior velocidade é a reta dos boxes, onde chega na placa de 100 metros a mais de 200 Km/h. Quando a placa de 100 metros fica exatamente em cima da capota é hora de frear, reduzir de quinta para quarta e terceira, mergulhar para o S do Senna e começar a segunda volta. O mais difícil foi parar de pilotar. O Aldee de corrida é extremamente gostoso de pilotar: tem-se a impressão de que é possível passar horas rodando em Interlagos sem perder o gostinho de novidade. Ele não exige uma preparação olímpica para pilotá-lo, apesar de não contar com servo-freio nem direção hidráulica."



Zaninoto e Tite Simões no posto de pilotagem



A conclusão de Tite foi a seguinte: "não chegamos a cronometrar o tempo de volta no dia do teste porque estavam sendo realizadas gravações para um especial de TV, com muitos carros mais lentos na pista. Normalmente, o tempo de volta do Aldee em Interlagos, é na faixa de 1min51s."


Ficha técnica - Aldee cupê
Motor: Volkswagen AP 2.000 cm³ - potência: 190 cavalos
Câmbio: 5 marchas
Pneus: Pirelli Corsa 235/45 - aro 13
Comprimento: 3m87
Entre-eixos: 2m35
Altura: 1m13
Largura: 1m72
Tanque de combustível: 100 litros
Peso: 680 quilos
Custo do carro: R$ 7 mil (sem motor, câmbio, rodas e volante) - valores de época



O teste da Revista Racing com o Aldee Spyder


Em 2005 a revista Racing convocou o piloto Ricardo Maurício para testar o Aldee Spyder pertencente a Norberto Gresse Filho. Naquela época, o custo do Aldee Spyder ficava em torno de R$ 50.000. A motorização utilizada na época era Volkswagen AP 2000, com carburação dupla Weber.






Com a palavra, Ricardo Mauricio e suas impressões para a matéria: "o Aldee Spyder é um carro interessante. Sinto que falta aceleração, ele demora muito para subir de giro, o que acaba prejudicando a velocidade no fim de reta. Gostei do grip, da aderência, principalmente nas curvas. Nas de alta, ele é bem estável e nas de baixa tem uma reação rápida; achei legal. Uma coisa que se pode elogiar bastante neste carro são os freios: eles param direitinho, como um fórmula e têm bom desempenho. É, sem dúvida alguma, um carro fácil de guiar e muito divertido, mesmo com a falta de aceleração. Em minha opinião, o Aldee Spyder deveria ganhar uns 50 ou 60 cavalos a mais. É um protótipo que poderia ter 260 ou 270 cavalo, o que o deixaria muito mais gostoso, mais nervoso. E olha que, hoje, seu torque não é ruim, não! Mas por ser um carro leve e baixo, e portanto bem aerodinâmico, sua aceleração é bem lenta. Claro que se ganhasse mais cavalos, isso implicaria em adequar o conjunto de freios para a nova potência. O câmbio dele é o original do Gol GTI, por questões de custo - claro! Isso resulta em um 'H' longo e macio demais. O ideal seria utilizar um câmbio de competição, mais curtinho. A posição de pilotagem é confortável, Embora em termos de mecânica e reações o Aldee Spyder chegue a se assemelhar a um fórmula, nele se pilota sentadão mesmo, enquanto nos monopostos você fica mais deitado. Outra coisa que, na minha opinião, este carro deveria ter é o controle de barras estabilizadoras dentro do cockpit. Elas estão lá, mas o piloto não pode mudá-las, o que permitiria um desempenho melhor nas corridas."


Ficha técnica - Aldee Spyder
Motor: Volkswagen AP 2000 cm³ - dupla carburação Weber 50 - potência: 205 cavalos
Torque: 28,5 Kgfm
Câmbio: VW Gol GTI 5 marchas
Freios: discos Volkswagen - pinças Wilwood
Rodas: Techspeed aro 13
Pneus: Pirelli
Dianteiros: 225/540 - aro 13
Traseiros: 265/540 - aro 13
Volta mais rápida: 1min45s750 - realizada em Interlagos por Ricardo Mauricio, em 31/05/2005
Velocidade máxima (reta oposta): 212 Km/h