quarta-feira, 14 de junho de 2017

O panorama atual das corridas de caminhão no Brasil


Como fã de automobilismo, sempre acompanhei as corridas de caminhões, de início, com muitas ressalvas. A primeira vez que assisti a uma corrida dos brutos foi no final de 1995, pela televisão, quando o SBT transmitiu, com a narração de Téo José e os comentários de Dedê Gomes, o festival de corridas entitulado "Brasil Super Truck". Alguns caminhões e pilotos que disputavam o campeonato europeu (dentre eles, o ex-baterista e ex-piloto de Fórmula 1, o sueco Slim Borgudd e o brasileiro Maurizio Sandro Sala, que foi convidado a pilotar um Mercedes-Benz) vieram para o Brasil disputar duas corridas, em Tarumã e Goiânia, com organização da Traffic Marketing Esportivo.




Djalma Fogaça em seu primeiro ano nos caminhões, 1997, ainda de Volvo - outrora entitulado "Caipira Voador", o sorocabano, hoje com a alcunha de "Monstro", é um dos líderes da nova categoria de caminhões do país




Minhas conclusões iniciais davam conta de que corridas com caminhões eram algo bem longe do que se poderia chamar de "esporte a motor", em que pese a categoria aqui no Brasil (que teve sua temporada inaugural em 1995) sempre contar com forte apoio das fábricas, muitos pilotos de notável talento e a anuência do público, que lotava a cada etapa as arquibancadas dos autódromos país afora.




Aurélio Batista Félix em Londrina, no ano de 1995 - o início do sonho do visionário


Até que, mais precisamente no ano de 2008, fui, como se costuma dizer, 'tirar a prova dos nove", em Interlagos e assisti a uma prova. Queria ver "a olho nu" e sentir o que é de fato uma corrida de caminhão. Foi a melhor atitude que poderia ter tido para tirar o "ranço" inicial. Todos os pré-conceitos formados caíram por terra quando os primeiros brutos foram para a pista. Os sons, cheiros, a vibração e a sensação de velocidade deixam qualquer apaixonado por automobilismo ficar encantado.

A partir de então, passei a admirar e acompanhar a Fórmula Truck da mesma forma como sempre acompanhei as demais modalidades do esporte a motor. Criada pelo falecido Aurélio Batista Félix, um abnegado e apaixonado pelo grande evento que elaborou, a categoria desde o seu início contou com a participação oficial das principais montadoras de caminhões do país. Patrocínios e parcerias de peso não faltaram por 20 anos. Aurélio infelizmente faleceu em 2008 e sua esposa, Neusa Navarro Félix e os filhos passaram a tocar a administração da categoria a partir de então.



O clássico Truck de Oswaldo Drugovich Jr. no ano de 1999



Alçada a principal certame de automobilismo do país, a Fórmula Truck lentamente passou a enfrentar problemas ao longo dos últimos anos. A situação começou a complicar-se mais fortemente há aproximadamente 3 anos atrás. Patrocínios e apoios passaram a rarear-se e diversas fábricas retiraram os apoios oficiais. Equipes e pilotos passaram a reclamar da falta de ação dos organizadores e de abertura para diálogo e exposição de novas idéias. Os organizadores, por seu turno, alertavam que as equipes e pilotos estavam querendo tomar o controle da categoria, alegando também que todo o apoio para os times nunca foi sonegado.

Importante ressaltar que aqui não vamos julgar quem está certo ou errado. Cada lado desta história tinha e tem suas razões e argumentos. O que lamentamos (e eu acredito que todo brasileiro fã de motorsports também deve lamentar) é que não houve espaço para diálogo entre as partes que divergiram. O estopim de toda essa discordância culminou, em 2017, em uma cisão na Fórmula Truck. Todas as principais equipes e pilotos, com exceção das equipes cujos donos são os organizadores, saíram da categoria e criaram um novo certame de caminhões, denominado Copa Truck, trazendo um novo formato de disputa.

Como em toda cisão de categoria (o exemplo da Cart / IRL em 1996 ilustra bem isso), as seqüelas invariavelmente são doloridas. E infelizmente já conseguimos enxergar isso. A Fórmula Truck manteve seu formato tradicional e realizou até o momento 3 etapas, no Velopark (RS), Rivera (Uruguai) e em Londrina. Em todas, tivemos pouca participação de caminhões e a presença de pilotos desconhecidos em sua maioria. Em Rivera, a categoria mostrou sinais de que poderia melhorar, realizando uma ótima prova dentro e fora da pista. O público compareceu em massa para acompanhar a inédita prova no país.


Mas a categoria sofreria um baque antes da etapa de Londrina: seu principal piloto, o tetracampeão Wellington Cirino, anunciava a sua saída para a Copa Truck. Em Londrina, Walmir Benavides, o Hisgué, substituiu Cirino, porém menos de 10 caminhões tomaram o grid de largada. Não era um bom sinal. A etapa de Cascavel, prevista para o dia 3 deste mês, foi cancelada por conta das fortes chuvas na região. O reagendamento foi feito para o fim de semana de 17 e 18 de julho, porém nesta quarta-feira a organização anunciou, sem maiores explicações, o cancelamento definitivo desta etapa, com a devolução aos torcedores dos valores de ingressos já adquiridos.

Esses fatos negativos acendem uma luz de alerta para a categoria máxima de caminhões nacional. A Copa Truck, recém criada pelos dissidentes da Fórmula Truck, já realizou duas etapas da "Copa Centro-Oeste", em Goiânia e em Campo Grande, com televisionamento do canal por assinatura Sportv. É uma fase de consolidação de um novo formato, que demanda um trabalho de garimpo de público. Não é uma tarefa fácil, principalmente pelo fato das corridas não serem transmitidas em canal aberto, algo que a Fórmula Truck tem como vantagem com a transmissão pela Bandeirantes.

Em resumo, é um momento delicado para as corridas de caminhões no país. Para o fã de motorsports brasileiro, o desejo é que as duas categorias consigam se consolidar e se manter saudáveis, agregando cada vez mais pilotos, equipes e apoios de montadoras e patrocinadores. E que o sonho daquele cara visionário e inquieto chamado Aurélio Batista Félix não se acabe.

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